Quais são as responsabilidades de quem tem
um bicho com necessidades especiais?
E o que fazer quando vão além de seu alcance?
“Você jogaria seus pais ou seus filhos fora porque eles se tornaram deficientes? Pode parecer uma comparação estranha, mas, para mim, meus cachorros são como pessoas da família. Jamais poderia abandoná-los. Não entendo que alguém seja capaz de ter essa atitude”, revolta-se a cabeleireira Keké Flores, 35. Ela acolhe animais com doenças ou deficiência física, abandonados por serem considerados um fardo pelos donos anteriores.
Keké é dona de Felipe, de aproximadamente 10 anos. Ele ganhou esse nome quando experimentou, pela primeira vez, uma cadeira de rodas e foi apelidado em homenagem ao piloto de Fórmula 1 Felipe Massa. “Foi emocionante. Todos que estavam presentes começaram a chorar”, relembra Keké.
Keké é dona de Felipe, de aproximadamente 10 anos. Ele ganhou esse nome quando experimentou, pela primeira vez, uma cadeira de rodas e foi apelidado em homenagem ao piloto de Fórmula 1 Felipe Massa. “Foi emocionante. Todos que estavam presentes começaram a chorar”, relembra Keké.
Felipe foi abandonado quando perdeu o movimento das patas traseiras. Mas ganhou um novo lar e uma cadeira de rodas |
Há pouco mais de um ano, Felipe apareceu no Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo, onde a cabeleireira é voluntária. Diante da dificuldade em encontrar uma família para o cão, ela mesma resolveu adotá-lo – os cães que não encontram novos lares são sacrificados. “Não foi amor à primeira vista. Tive dó dele e sabia que ele não teria chance de ser adotado. Ele não anda e não controla suas evacuações”, conta Keké que troca cerca de 150 fraldas por mês para que o cachorro não desenvolva assaduras e machucados na parte traseira.
O 1º passeio de Felipe na cadeira de rodas
Não é fácil ser dono de um animal com deficiência. As limitações e a necessidade de dedicação são limitadoras para todos, proibitivas para alguns. Há animais que precisam de atenção constante. E mesmo quando isso acontece, nem sempre os animais se adaptam à nova rotina. “Bichos de uma forma geral precisam de rotina. Para os animais deficientes, isso é mais importante ainda. Quando o dono se ausenta, para eles é muito difícil. Nem sempre eles aceitam o novo cuidador, o que obriga a presença constante dos proprietários”, explica a veterinária Elisângela Torres, do Hospital Veterinário Vet Quality.
Expectativa
A veterinária do Centro Veterinário Mister Vet Janaína C. R. dos Reis é realista: “Não adianta pegar o bicho num momento de dó. Tem que ter a posse responsável do animal. É preciso ter paciência e saber que o bichinho vai exigir mais tempo do dono e, em alguns casos, terá mais despesas.” Ela acredita que quem deseja adotar um bicho deficiente precisa saber direito quais as expectativas de melhora dele. “Isso é importante. O objetivo de uma adoção é dar mais qualidade de vida e melhores cuidados ao animal. Saber a realidade da situação é essencial.”Justamente para saber a gravidade da lesão na coluna de uma cadela chamada Doralice, Janaína e outros cinco voluntários do projeto Salva Cão correram atrás de doações e clínicas que pudessem fazer exames com custos mais baixos. Doralice foi abandonada com uma cadeira de rodas e levada para o Centro de Controle de Zoonoses de Santo André. “Hoje ela está nutrida e bem melhor. Os exames revelaram que Doralice não poderá ser operada. “Ela vai continuar com fisioterapia e acupuntura e vamos observar se ela melhora. Estamos cuidando dela e esperamos que ela melhore logo para poder ter condições mínimas de ser adotada.”
Adoção especial
A recolocação de um animal, principalmente dos deficientes, depende do trabalho de muita gente, a maioria voluntários. Eles prestam cuidados como vacinas e remédios, dão carinho e deixam o bicho preparado para ser levado por outra pessoa que queira adotá-lo. Tudo isso, normalmente, patrocinado pelo próprio protetor.
Sheldon tem uma patinha a menos, mas leva uma vida praticamente normal |
“Se para um animal saudável já é difícil ser adotado, imagina para um que precisa de cuidados. O preconceito é muito grande”, afirma a voluntária Roberta Roperto, que trabalha na SAVA (Solidariedade à Vida Animal), uma organização que promove feiras com animais deficientes para que eles possam ter chance de serem adotados. Roberta admite que algumas deficiências são bastante debilitantes, mas nem todas. “Se o cachorro é cego ou surdo, por exemplo, pode viver muito bem e sem muita dependência do dono. Já se ele precisa de cadeirinha de rodas, é mais complicado porque o dono precisa tirar e por o equipamento algumas vezes no dia.”
Um dos bichinhos adotados na feira foi um cão de três patas, o Sheldon, de cinco anos. Há dois, ele vive com a bióloga Natália Dias. “Eu era voluntária na feira. Quando vi o Sheldon, fiquei torcendo para chegar alguém e adotá-lo, mas não aconteceu. Percebi que ele não teria chance e comecei a chorar muito. Meu marido concordou em trazê-lo para casa”,Natália, que é dona de outros 10 cães, conta que o cachorro se adaptou muito bem à amputação de uma das patas. “Ele não teve problemas. É bem independente. Sobe e desce escadas. Só precisamos ficar de olho nele para ver se ele tem dores ou dificuldades para andar.”
Doação
E quando o dono chega à conclusão de que não tem como cuidar de seu bicho deficiente? De acordo com Janaína, é preciso analisar se essa é realmente uma decisão final. Se for, é obrigação do dono encontrar outro lar para seu bicho, seja contando com ajuda de amigos e parentes para encontrar alguém que deseje adotar o animal ou entrando em contato com associações que promovam feiras de adoções. Foi o que aconteceu com Rufus, cachorro que foi comprado em um pet shop pela advogada Fernanda Borrow, 29. A mãe de Fernanda, que já tem quatro cachorros, não queria outro animal.
Os cuidados extras para Rufus, que é surdo, fizeram sua dona procurar uma nova casa para ele |
Diante do impasse sobre o que fazer, algo novo surgiu: descobriram que Rufus era surdo. “Fiquei um pouco desesperada, porque queria dá-lo para alguém que cuidasse bem dele. Eu sabia que ele ia precisar de pessoas com paciência e que entendessem que ele tinha um problema.” Sua prima acabou adotando o cão. “Ele é como se fosse um filho para ela e o marido.”
“Quem resolve ter um animal de estimação precisa entender que, a partir da sua adoção ou aquisição, ele passa a ser responsabilidade do dono”, afirma Janaína.O abandono de um animal de estimação, de acordo com uma lei federal, é crime. O ato pode ser caracterizado como maus-tratos e é passível de punição de detenção e pagamento de multa.
Eutanásia
“O que a gente observa na prática é que as pessoas não têm a noção de que um bicho não é descartável. O mais comum mesmo, quando a pessoa não pode ou não quer mais cuidar, é a eutanásia ou o abandono, que tende a terminar em morte também.” A veterinária explica que não se sacrificar um cachorro apenas porque é mais cômodo para o dono. A eutanásia só é cogitada quando é a melhor saída para o animal – em caso de dores e sofrimento excessivo. “Não é uma atitude corriqueira. O animal vai morrer e por isso são os seus interesses que devem ser criteriosamente analisados. É uma decisão complicada que deve ser tomada pelo dono em conjunto com o veterinário, que pode determinar melhor o nível de sofrimento do bicho”, explica Janaína. Por Danielle Nordi, iG São Paulo
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