O Determinado Caio Maniero D’Auria |
O jovem Caio Maniero D’Auria, enxadrista, calculista, paciente, insistente, irritante, até. Graças a essas características, tornou-se, aos 22 anos, o primeiro brasileiro dispensado do serviço militar obrigatório por “razões políticas e filosóficas”. Isto significa que ele foi dispensado sem precisar jurar à bandeira. Para muitos, a formalidade é apenas um detalhe, mas para ele, uma batalha de quase cinco anos de duração em defesa da “liberdade”.
Dos anos 1,6 milhão de jovens que se alistam, cerca de 100 mil são incorporados ao Exército, à Marinha ou à Aeronáutica. Segundo o Ministério da Defesa, desses, 95% declararam no alistamento o desejo de servir, e os que não querem, foram convocados por ter alguma habilidade necessária à unidade militar da região. “A Estratégia Nacional de Defesa pretende alterar esse quadro, de modo a que o serviço militar seja efetivamente obrigatório, e passe a refletir o perfil social e geográfico da sociedade brasileira”, anuncia o Ministério da Defesa.
Por ora, a única exigência feita para os dispensados é uma pastosa cerimônia de Juramento à Bandeira, tão esvaziada quanto à obrigação de executar o Hino Nacional antes das partidas de futebol em São Paulo. Ninguém reclama. Caio recusou-se.
DETERMINAÇÃO NA SUA DOLESCÊNCIA
Determinado a encontrar um meio válido de não jurar à bandeira, entranhou-se nas leis militares, telefonando para o Comando militar do Sudeste e soube que podia pedir para prestar um serviço alternativo e que, por não haver convênio firmado, isso resultava na dispensa automática. “Mas a secretária da Junta militar afirmou que só Testemunhas de Jeová poderiam alegar OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. “Ela me mandou jurar à bandeira, mas eu estaria mentindo se jurasse dar a vida pela nação, pois jamais faria isso”, diz, com um sorriso tímido o jovem que mal havia deixado a adolescência. De próprio punho, Caio redigiu uma “declaração de imperativo de consciência”, e declarou-se anarquista. A Junta militar exigiu a declaração de uma associação anarquista confirmando o vínculo. Caio, então, contatou mais de vinte organizações em busca de, como diz, uma “carta de alforria”. Perdeu um ano nessa. “Os anarquistas brasileiros não tiveram a coragem de colocar em prática o que tanto pregam. “A maioria está mais interessada em festinhas”, reclama. E ponderou: “Acho que eles tiveram medo de ser fichados pelo Exército”.
INTERNET AJUDOU NA DISPENSA
Desiludido, encontrou na internet o site da organização Movimento Humanista. Então se sentiu protegido e que seria atendido. O site diz: “Pregamos a não-violência e somos contra o serviço militar obrigatório”, falou Paulo Genovese, que é coordenador do grupo, que faz reuniões semanais e promove a Marcha Mundial pela Paz e pela Não-Violência.
Diante de nova declaração de OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA, a Junta Militar pediu dados dos integrantes e o CNPJ da organização. Após três meses, foi ainda preciso detalhar quais eram as incompatibilidades do movimento com o serviço militar.
Era janeiro de 2008, disse o jovem: “Passei noites em claro redigindo o material e, Fui pessoalmente entregar no comando”. O jovem sustentou que os humanistas colocam “o ser humano como valor central”, enquanto os militares devem defender a pátria “mesmo com o sacrifício da própria vida”, e que o “repúdio à violência” é incompatível com o “amor à profissão das armas”.
DECISÃO FINAL
Quatro anos e oito meses após se alistar, Caio pegou seu Certificado de Dispensa do Serviço Alternativo. Em 2008 apenas seis jovens foram eximidos por objeção de consciência. Nos últimos cinco anos forma 232 indivíduos. Mas o jovem Caio foi pioneiro. “Nunca motivos políticos livraram alguém, o meu processo é o número 001/08. Abri um precedente e agora tenho onde lutar por minha liberdade e pela dos demais”, comemora ele, que é analista de dados de telemarketing. Há anos quer prestar concurso público. Agora pode.
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